“A novidade mais desconcertante é a do politicamente correto”, diz Cíntia Moscovich. Leia a entrevista – #003

Cíntia Moscovich é a entrevistada de hoje do Palavras Casmurras.

Você já conhece a autora? Brevíssima Trajetória de Cíntia Moscovich.

Natural de Porto Alegre e nascida em 1958, Cíntia Moscovich é escritora, jornalista e Mestre em Teoria Literária. Ela atuou como editora de livros do jornal Zero Hora e foi diretora do Instituto Estadual do Livro no Rio Grande do Sul. Em sua obra literária, Cíntia transita pelo humor e pela simplicidade, explorando o lado inusitado das relações afetivas e da vida cotidiana.

Aos 35 anos participou da oficina de criação literária ministrada por Luiz Antonio de Assis Brasil. A estreia como autora individual ocorreu em 1996, com “O reino das cebolas”. Seu primeiro romance, “Duas iguais” (Record), foi lançado em 1998.

Além disso, ao longo de sua carreira, participou de mais diversas antologias no Brasil e no exterior. Em 2012, lançou seu elogiadíssimo e premiado livro intitulado “Essa coisa brilhante que é a chuva” (Record), uma coletânea meticulosamente escrita e preparada ao longo de seis anos.

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Fique agora com os ensinamentos de nossa querida entrevistada Cíntia Moscovich!

cíntia moscovich sorrindo olhando para a frente, atrás dela uma parede de azulejos

Fonte: https://revistanews.com.br/2022/09/28/feira-do-livro-de-porto-alegre-abertas-inscricoes-para-as-oficinas-de-literatura/

01) Como você descreveria o seu processo de escrita criativa, Cíntia? Inicialmente, existe algum ritual ou hábito que você segue consistentemente ao começar um novo projeto literário?

“Me dou o direito de me desligar do mundo”

Cíntia Moscovich: Perdão pelo clichê mas cada caso é um caso. Para escrever, há várias abordagens, várias maneiras, todas elas buscando a concentração máxima, que é o que se quer, afinal. Essencial, no entanto, sempre é ler antes de começar a escrever. Antes de começar qualquer coisa, melhor dizendo. Tenho algumas manias, que envolvem ambiente silencioso, a folha do computador formatada, tudo tranquilo ao redor, nada que apele aos sentidos.

Escrever exige dedicação e eu me envolvo muito: não gosto de andar atendendo a outros senhores. E tomo notas, notas, notas. Crio imagens mentais o tempo todo (como, de resto, todos nós), e preciso de concentração. Silêncio, portanto, o mínimo de intromissão do mundo exterior.

É o meu trabalho e me dou o direito de me desligar do mundo. Mesmo sendo mulher e, como diz meu marido, sendo “dona de casa”. (Ser “dona de casa” é uma armadilha, porque significa que alguém te delegou as decisões da casa. Eu mesma as concentrei. Por vezes, no entanto, é incompatível com criar o que quer que seja.)

02) Quais autores ou obras literárias influenciaram significativamente o seu estilo e a sua abordagem à escrita? Além disso, como essas influências se refletem em seu trabalho mais recente?

“Na escrita há bloqueios insolúveis.”

Cíntia Moscovich: Clarice Lispector norteia muito meu olhar e minha linguagem. Acho muito bonita a maneira como ela se aproxima dos personagens, do assunto, do ritmo da frase, do torneio, do jeito. É fascinante. Quando vejo, já sou ela. Mas também sou um pouco de Calvino, de Borges, de Oz, de Singer. A gente sempre é aquilo que a gente leu. E esses são meus autores do coração.

03) Quais obstáculos você enfrenta durante o processo de escrita e como os supera? Ademais, algum desses desafios foi particularmente marcante em seu trabalho mais recente?

Cíntia Moscovich: Há bloqueios insolúveis. Alguns deles, contudo, são superáveis mediante leitura, música, cinema, teatro. Estou há anos enfrentando um bloqueio que vou dissolvendo com pequenos avanços diários. Mas há verdadeiras paredes que se interpõem entre o texto e minha vontade.

Está gostando da entrevista? Uma pequena pausa para divulgar que a autora está com inscrições abertas para sua Oficina do Subtexto, que terá início em 16 de abril. Saiba mais.

04) Como você vê o impacto da tecnologia hoje no mundo literário? Além disso, essas mudanças influenciam sua abordagem à escrita ou à promoção de suas obras?

“Não há escritor que escreva sem uma boa pesquisa de base”

Cíntia Moscovich: A tecnologia é muito bem-vinda, sempre foi. Por isso, não consigo imaginar escrever sem o auxílio de computador, de internet e até do Chat GPT, que me dá respostas rápidas a algumas perguntas, como distâncias entre cidades, receitas de pratos exóticos e tipos de tumores de pulmão.

Aliás, nesse quesito, o das pesquisas, a tecnologia é imbatível e até acho a IA bem limitada, uma vez que ela parou em 2021. Em eras passadas, a gente tinha que se atirar em bibliografias remotas, buscar em bibliotecas, procurar especialistas de todas as áreas em vários lugares do mundo, tentar comprar, alugar ou pedir emprestados mapas, croquis, plantas baixas, esboços, esquetes — e não há escritor que escreva sem uma boa pesquisa de base.

No entanto, hoje, por mágica, a gente dá um google, refina a pesquisa, refina mais um pouco, entra em acervos espetaculares de bibliotecas de universidades e de museus em todo o mundo, visita ruas de lugares que nunca imaginou visitar e… hélas! O mundo na frente da gente.

05) O mercado literário passou por transformações significativas nos últimos anos. Diante disso, como escritora premiada e já consolidada, como você percebe essas mudanças? Especificamente, qual é a sua visão sobre o papel dos escritores no atual cenário literário?

“O papel dos escritores, o maior deles, é escrever, sem descuidar da atuação no mundo.”

Cíntia Moscovich: Transformações sempre houve e as que houve nos últimos anos não são uma novidade tão enorme. Contudo, a novidade mais desconcertante, se queres saber a opinião de quem tem a visão em perspectiva, é a do mundo woke, a do “politicamente correto”.

Se, por um lado, é uma visão que tinha que ser alterada por uma questão de justiça social e humana, por outro, ela forçou uma redução da expectativa literária, que nada tinha a ver com a pauta identitária e que corre o risco de acabar com ela. Ou seja, nós podíamos ter feito as duas coisas: podíamos ter valorizado as minorias, trazendo-as para a luz da necessária justiça, banindo a desgraça do supremacismo, sem descuidar de outros fatores.

O papel dos escritores, o maior deles, é escrever, sem descuidar da atuação no mundo. O que não se pode é inverter. O escritor não pode militar no mundo como se fosse rei e escrever feito um indigente.

06) Para os aspirantes a escritores que estão começando sua jornada literária, qual conselho você daria com base em suas próprias experiências? Há algo que você aprendeu ao longo de sua carreira e que gostaria de saber quando começou a escrever?

Cíntia Moscovich: A gente sabe o que a gente tem que fazer, sempre soube. Em primeiro lugar tem que ler, e tem que ler coisas boas. Além disso, tem que ter humildade de escrever e reescrever, de duvidar sempre do texto, de saber que ele pode melhorar. Aprendi a não ter pressa: um texto só melhora se for trabalhado. Semanas, meses, anos. Em suma, sempre pode ficar melhor.

Portanto, nunca se entrega um texto para o editor sem ele ter descansado na gaveta e passado, no mínimo, por três revisões. Fazer ao contrário disso vai ser uma frustração no futuro com toda a certeza do mundo.


Para mais bate-papo com a autora, veja a entrevista concedida ao programa Segundas Intenções.


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John Soares Cunha

Bacharel em Direito por acaso, escritor por convicção✒️, John Soares Cunha é especialista em copywriting e escrita criativa, e ama falar de livros e literatura. Aqui ele transborda sua paixão pela arte das palavras.

Este post tem um comentário

  1. Bel

    Paula e John, parabéns pela entrevista com a Cintia. Perguntas esclarecedoras.

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