
Muitos leitores e escritores podem discordar sobre o que faz um livro ser bom ou ruim. Alguns podem avaliar um livro pela escrita, outros pelo enredo, outros pelos personagens, outros pelo tema, e assim por diante. Cada um tem seus critérios, seus gostos, suas expectativas e suas necessidades ao escolher e avaliar um livro.
Mas isso não significa que não existam livros ruins. Existem sim, e muitos. Livros que não cumprem o seu propósito, que não atendem às expectativas da própria trama, que fornecem todas as respostas de uma maneira superficial. Quantas vezes você já leu, por exemplo, diálogos ultra expositivo, que entregam toda a trama e não deixam nada para o leitor?
Existem também livros que se escondem atrás dos temas que abordam. Só porque a temática do livro é importante isso faria dele uma obra irrefutável. Quão perigoso é este argumento, que limita a crítica e tole ainda mais o bom escritor de enxergar os seus próprios problemas.
Agora, vamos a um exercício prático.
Compare essas duas ideias: um livro em que o protagonista é o escolhido para salvar o mundo de uma ameaça maligna vesus um livro em que o protagonista é o escolhido para salvar o mundo de uma ameaça maligna, mas que, na verdade, descobre-se que ele é a própria ameaça. Qual desses dois enredos te chamou mais atenção?
Aposto que foi o segundo enredo. E isso acontece porque o elemento surpresa e a possibilidade de aprofundamento do enredo te fazem querer conhecer mais. E ir além com o texto, saber como essa ideia tão complicado vai ser resolvida em algumas páginas.
Livros ruins não oferecem nada além de palavras vazias e, por vezes, somam clichês preguiçosos para não cansar o leitor (e nem o escritor, é bom frisar) fornecendo as respostas mais fáceis e menos interessantes. Cuidado: com isso, não quero dizer que um livro com vocabulário fácil é ruim. Afinal, uma das melhores coisas da literatura, por exemplo, são as fábulas. Quero dizer que em livros ruins isso sequer é considerado. Não há conexão, nem refinamento. Clarice já nos avisou: dá muito trabalho parecer simples!
Quero encerrar o post de hoje com o poema “A Formalística” de Adélia Prado que trata justamente sobre o maior erro do escritor:
a falta de criação em suas palavras. Leia abaixo e reflita: você, afinal, é um poeta cerebral?
A FORMALÍSTICA
(Adélia Prado)
O poeta cerebral tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
o efeito respeitoso que produz
seu trato com o dicionário.
Faz três horas já estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça.
Daqui a pouco começam a fosforecer coisas no mato.
A serva de Deus sai de sua cela à noite
e caminha na estrada,
passeia porque Deus quis passear
e ela caminha.
O jovem poeta,
fedendo a suicídio e glória,
rouba de todos nós e nem assina:
“Deus é impecável.”
As rãs pulam sobressaltadas
e o pelejador não entende,
quer escrever as coisas com as palavras.
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