Bethânia Pires Amaro, vencedora do Prêmio SESC de Literatura 2023 na categoria Conto, com a obra “O NINHO”, é a entrevistada de hoje. Bethânia Pires Amaro é a “revelação de uma das melhores contistas da literatura brasileira”, elogia o escritor Sérgio Rodrigues. A autora revela sua experiência com a criação literária, com o mercado editorial e o que esperar da tecnologia no trabalho dos escritores. Confira abaixo:

01) PALAVRAS CASMURRAS: Como você descreveria o seu processo de escrita criativa? Existe algum ritual ou hábito que você segue consistentemente ao começar um novo projeto literário?
“‘O ninho’ foi fruto de dois anos de trabalho”
BETHÂNIA PIRES AMARO: Não tenho ritual específico, embora goste de me colocar no que considero uma espécie de estado consciente de inspiração através da leitura de outras obras que conversam com o meu projeto, ouvindo determinada trilha
sonora ou de forma geral me alimentando de outras formas de expressão artística.
Costumo também ter um planejamento geral para a escrita, nada muito fechado, apenas diretrizes e pontos chave que gostaria que constassem no texto. Não escrevo todos os dias e nem tenho metas muito rígidas. Gosto de respeitar meu tempo interno e o tempo de maturação de uma história, sem grande pressa. Uma etapa que sempre cumpro, porém, é a de revisão.
Passo o texto por alguns leitores beta e, no caso do projeto de um livro, também por leitura crítica profissional. A partir daí faço a reescrita até chegar à versão final. “O ninho” foi fruto de dois anos de trabalho, um deles inteiramente focado na reescrita.
02) PC: Muitos escritores têm métodos específicos para desenvolver personagens e enredos. Como você aborda a construção de personagens e a elaboração de tramas envolventes em suas obras?
“Tento conhecer bem o mundo interno do personagem“
BETHÂNIA PIRES AMARO: Para mim, o mais valioso numa obra de ficção é a construção de personagem, ainda que o livro precise de muitos outros elementos para se sustentar. São os personagens que realmente me fazem entrar numa história e reagir aos conflitos trabalhados no texto. Dedico especial atenção a este ponto durante a elaboração de um projeto literário.
Costumo começar pensando no conflito e, por consequência, em quem é o personagem que o enfrenta, quais são as suas reações e particularidades. Não elaboro nenhum tipo de lista com qualidades e defeitos ou características físicas. Contudo, tento conhecer bem o mundo interno do personagem antes de começar a escrever, ainda que algumas facetas sempre se revelem durante o processo de escrita.
Já o enredo é algo que trabalho com mais liberdade, especialmente se tratando de contos; planejo alguns acontecimentos essenciais à construção do conflito e, de resto, desenvolvo à medida que vou escrevendo.
03) PC: Quais autores ou obras literárias influenciaram significativamente o seu estilo e a sua abordagem à escrita? Como essas influências se refletem em seu trabalho mais recente, especialmente no livro que lhe rendeu o Prêmio SESC?
“Estudei a fundo a obra de mulheres contistas”
BETHÂNIA PIRES AMARO: Seria impossível listar todas as obras que me influenciaram de forma significativa ao longo da vida. Entretanto, para a escrita do “O ninho”, estudei a fundo a obra de mulheres contistas que me marcaram muito, em especial Lucia Berlin, Alice Munro, Maria Fernanda Ampuero, Giovana Madalosso, Jarid Arraes e Cíntia Moscovich.
Essas autoras fazem uma bela e complexa abordagem do prosaico, pois transformam experiências cotidianas em pontes de reflexão para diversos conflitos femininos com grande sensibilidade. Além disso, possuem obras que fogem ao senso comum e apresentam elementos de estranheza que aprecio muito na literatura.
04) PC: Quais obstáculos você enfrenta durante o processo de escrita e como os supera? Algum desses desafios foi particularmente marcante em seu trabalho mais recente?
“Sou o tipo de pessoa que precisa de silêncio para escrever“
BETHÂNIA PIRES AMARO: Penso que o excesso de trabalho e de atividades cotidianas não relacionadas à escrita são o maior entrave ao meu processo de criação. Assim, tento separar algumas horas por dia para me dedicar à literatura, normalmente à noite, quando já encerrei as demais obrigações e consigo me concentrar melhor no livro. Ainda que não consiga escrever numa determinada noite, ao menos leio outras obras que estejam em contato com o meu projeto.
Sou o tipo de pessoa que precisa de silêncio para escrever. Então durante o dia tento fazer anotações de eventuais ideias que surjam para integrá-las depois ao texto, num momento de maior tranquilidade.

A autora e um de seus muitos prêmios literários. Fonte: perfil no Instagram.
Por que O NINHO, de Bethânia Pires Amaro, não é o leite Ninho? Literatura para embrulhar o estômago. Leia a resenha crítica sobre o livro clicando aqui.
05) PC: Como você vê o impacto da tecnologia hoje no mundo literário? Essas mudanças influenciam sua abordagem à escrita ou à promoção de suas obras?
“Ferramentas digitais contribuem para que a literatura saia dos círculos tradicionais”
BETHÂNIA PIRES AMARO: Com certeza, inclusive eu escrevo e leio principalmente no formato digital. No que se refere à promoção do meu trabalho, também faço uso das redes sociais, em especial do Instagram, em que falo de literatura no perfil @bethaniapiresamaro. Alguns sites, como a Skoob e o Goodreads, permitem ainda que se participe de uma comunidade de leitores, para compartilhamento de opiniões sobre os livros e para obtenção de recomendações de leitura, o que considero muito valioso.
Claro que existe um excesso de informações na rede que demanda certo filtro. Mesmo assim considero muito positivo ter a oportunidade de acompanhar o trabalho de outros autores, de editoras, revistas e produtores de conteúdo literário em geral, em qualquer parte do Brasil ou do mundo. Acredito que estas ferramentas digitais contribuem para que a literatura saia dos círculos tradicionais e alcance um público mais amplo.
A disponibilização de cursos online também vem ajudando a promover a profissionalização da escrita de ficção em regiões do país que ainda não contam com universidades. Isso é essencial para que a produção literária saia do eixo das grandes cidades e se torne mais diversificada. Apesar dos desafios ainda existes relativamente ao acesso a estas tecnologias, houve uma sensível melhora nesse sentido nos últimos anos.
06) PC: O mercado literário passou por transformações significativas nos últimos anos. Como escritora premiada, como você percebe essas mudanças e qual é a sua visão sobre o papel dos escritores no atual cenário literário?
“A preocupação do escritor deve sempre ser escrever uma boa obra”
BETHÂNIA PIRES AMARO: A meu ver, houve, felizmente, um aumento expressivo do interesse dos leitores, e consequentemente do mercado, pela literatura nacional contemporânea. Durante a minha adolescência, era difícil entrar numa livraria e ver destacados títulos brasileiros que não fossem clássicos, o que hoje em dia acontece com frequência.
Além disso, e embora ainda estejamos longe do ideal, tem se publicado mais mulheres e se abordado temas que antes permaneciam à sombra, aumentando o grau de representatividade e diversidade nas publicações literárias. Tudo isso contribui para que a nossa literatura alcance mais leitores e se mostre mais próxima das muitas realidades do nosso país.
A preocupação do escritor deve sempre ser escrever uma boa obra. Entretanto, enquanto mercado é fundamental abrir espaço para novas vozes, para vozes historicamente marginalizadas do processo editorial. Todos nós podemos contribuir nesse sentido, consumindo estes autores e estes livros, e trazendo o debate para os nossos círculos.
07) PC: Para os aspirantes a escritores que estão começando sua jornada literária, qual conselho você daria com base em suas próprias experiências? Há algo que você gostaria de saber quando começou a escrever?
BETHÂNIA PIRES AMARO: Penso que a leitura e a crítica do texto são fundamentais para o escritor iniciante. A leitura porque nos permite conhecer o que está sendo produzido no mercado literário. Isso facilita a busca por singularidade. E também porque aumenta nosso repertório, nossas referências e inspirações.
Já a crítica nos ajuda a separar o texto de nós mesmos, a vê-lo sob a perspectiva do leitor e, portanto, a trabalhar de forma mais consciente na narrativa. Essa intencionalidade é o que distingue a escrita profissional e nos permite maior precisão para passar ao leitor a experiência desejada. Recomendo muito a realização de cursos e oficinas, justamente para estar em contato com outros escritores, para promover este tipo de trocas e aperfeiçoamento da técnica literária.
Para mais informações, siga a autora no Instagram clicando aqui! E vamos valorizar a literatura nacional! 🙂